“Proteger os profissionais de saúde é proteger-nos a todos”. Este lema proferido por Ana Rita Cavaco, Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, demostra que em tempo de guerra, os Enfermeiros são o nosso escudo humano. Porém, mais do que um lema, é uma profecia. Remontemos ao início de 2019, mais propriamente ao dia em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o ano 2020 seria o Ano Internacional dos Enfermeiros. Porquê um ano dedicado aos Enfermeiros do Mundo inteiro? Bem, hoje a resposta é mais clara que nunca. Neste ano, 2020, celebra-se o 200º aniversário da “Dama da Lamparina”, Florence Nightingale, a fundadora da Enfermagem moderna. Além disso, será neste mesmo ano divulgado o 1º Relatório sobre o Estado da Enfermagem no Mundo. Será também um ano para realçar a falta de enfermeiros e a importância destes para o crescimento económico. Com o términus de 2020 findará a campanha lançada em 2018, Nursing Now, campanha esta que reuniu mais de 100 países e contou com as colaborações da OMS e do Conselho Internacional de Enfermeiros. Palha… resumindo o porquê? Estão na linha da frente e merecem reconhecimento. Porquê reconhecimento? Simples. Representam uma maioria nas instituições de saúde: estão lá 24h sob 24h para a pessoa, conhecem os utentes como nenhum outro profissional conhece e dão tudo de si a quem não lhe é nada. Sabem dar valor às pequenas vitórias diárias, acreditam quando mais ninguém acredita e possuem uma capacidade de improviso e de adaptação invejável. Têm a habilidade de enfrentar as probabilidades e, por isso, estão em vantagem.
Qual seria a probabilidade de o tal COVID chegar ao “país do cantinho da Europa”? Para os otimistas (ou irrealistas, fica ao critério de cada um) a resposta seria 0…. Até que chega uma segunda-feira diferente de todas as outras. Estamos a 2 de março de 2020 e em todos os jornais, noticiários e programas televisivos lê-se e ouve-se “O Ministério da Saúde e a Direção Geral de Saúde confirmaram os primeiros casos de COVID em Portugal”. Sim, irrealistas sem dúvida. Criaram-se loops destrutivos nas nossas cabeças, diretamente proporcionais ao aumento do número de infetados e de mortes. E é o resultado da globalização … ou de zoonoses. Como é que é possível que a chegada de algo invisível tivesse a capacidade de criar uma mudança de paradigma tão vincada? Ficou claro para todos a importância dos enfermeiros, ficou tão visível o amor e dedicação com que vestem a camisola com o começo de cada turno. São os pilares romanos erguidos no meio das ruínas. Criaram-se, por isso, movimentos generalizados fundados em coisa nenhuma para homenagear os profissionais de saúde, incluindo obviamente os enfermeiros. Prurido até às entranhas é o que sinto com esta onda de homenagens, como o aplauso nacional ao luar de um sábado. Considero todas estas ondas, demonstrações meramente hipócritas de quem, num passado próximo, maltratou, agrediu e não se esforçou por perceber as batalhas que se travavam para o aumento salarial, para uma progressão mais rápida na carreira, para contratação de mais enfermeiros ou simplesmente para a consideração da Enfermagem como uma profissão de risco.
Mentiria se dissesse que tudo é cor de rosa em Enfermagem. Apelidados de criminosos por Marta Temido, Ministra da Saúde, devido às Greves Cirúrgicas, também elas conhecidas graças ao Primeiro Ministro, como Greves Selvagens. Com isto, é certo e sabido que, os Enfermeiros possuem um apoio incondicional por parte dos nossos líderes, como é notório. Não, agora a sério, ironia é um conceito com o qual estamos habituados a lidar… socos, puxões de cabelo e empurrões por parte de utentes, nem por isso. No início deste mesmo ano, intitulado de “Ano Internacional dos Enfermeiros”, correu a notícia pelos quatro cantos de Portugal: “Enfermeira agredida no Hospital de Santa Maria da Feira depois de demorar a entregar medicamento”. Cheguei a equacionar sugerir uma cadeira na ESEnfC de seu nome “Defesa contra as Artes Negras”, mas achei por bem não o fazer, por uma questão de reputação. E é assim! 8 de janeiro de 2020, Ano Internacional dos Enfermeiros, irónico? Talvez… Hoje são eles, os tais criminosos, que se privam da família para cuidar da família dos outros. Hoje somam, ao seu currículo, mimos a utentes que desconhecem e no fim do dia subtraem toques e beijos aos que amam, olham para os seus filhos, cônjuges e pais por janelas. Estão em Hospitais e Centros de Saúde, hirtos, a dar força a quem não a tem. Estão lá! Mas a verdade é que sempre estiveram. São humanos… E choram… E temem… E gritam quando estão exaustos. E, juntamente com o superpoder da resiliência, estão na linha da frente, num alvoroço!
Enquanto que, nas Instituições de Saúde a correria e a agitação reinam, nas mais variadas casas portuguesas é a inércia quem ocupa o trono, por isso, devo um obrigado especial a todos os autodidatas que criam iniciativas nas redes sociais e diminuem a insanidade mental de quem cumpre o seu dever cívico. O Movimento Arco-íris é um de entre tantos outros que se tornou viral. O #vaificartudobem que tem por objetivo preencher as ruas de positivismo, ganhou tamanha proporção que podemos cair numa falácia de que, nessas letras grandes e gordas, esteja representado um futuro próximo. Quando na verdade é só e apenas um futuro incerto. Não, não estamos de todo num conto de fadas, nem sempre os arco-íris aparecem… O Mundo parou (dizem eles…) com a chegada do COVID. Não quero desvalorizar de maneira nenhuma esta Pandemia porque seria uma atitude infantil da minha parte e de total desrespeito por quem arrisca a vida a cada instante. Porém, o Potter e o Robbins (o tal livro mencionado nas aulas de Patologia) continuam abertos… há mais para além do COVID-19: continua a haver grávidas para orientar, doentes cardíacos, doentes oncológicos, diabéticos, politraumatizados…. Abram as mentes! Os enfermeiros sempre foram imprescindíveis! E na verdade nada parou… o curso normal da natureza continua.
20 de março de 2020 chega a Primavera! Num outro qualquer dia, a ESEnfC estava em peso na escola, em Ensino Clínico ou simplesmente a fazer malas saudosas, mas o cenário este ano é diferente porque estávamos no 2º dia do 1º Estado de Emergência. E poderia dizer que a Comunidade Estudantil da ESEnfC estava feliz por estar em casa, fora de perigo, como tantas outras Comunidades Estudantis. Mas não! Porque somos ESEnfC, futuros enfermeiros da “melhor, maior e mais antiga escola do país” e colocamos em cima da mesa a possibilidade do colapso do SNS. Então o nosso interior passa a ser um shaker de impotência, por sermos afastados dos Hospitais e Centros de Saúde numa época como esta, e de alívio por não atrapalhar quem precisa de trabalhar, cujo resultado é um cocktail intragável, como um shot de absinto puro numa quinta académica. Decidi que não podia deixar de apontar os holofotes amarelos e brancos aos alunos da ESEnfC. Aos alunos que se voluntariam pelo país fora, que tomam iniciativas nas redes sociais e que protegem os familiares ensinando tudo o que sabem. Aos finalistas foi-lhes roubado um ano inesquecível esperado desde início, foi-lhes roubado o adeus à cidade que os acolheu durante 4 anos, a tal cidade dos estudantes. “É o terminar de um sonho sem um fim esperado”. Tudo acabou, sem aviso, de forma anticlimática. Deixo aqui um aplauso a toda a população que fica em casa e que não põe em risco os outros, a todos os que valorizam quem cuida. Homenageio todos aqueles que vão trabalhar para satisfazer as necessidades primárias da população portuguesa e a todos os voluntários, pelo país fora, que ajudam os mais desfavorecidos e mais isolados. A todos vocês um muito obrigado!
Hoje, dia 12 de maio, celebra-se o Dia Internacional do Enfermeiro. Façamos uma introspeção sobre a importância destes profissionais de saúde que, como se costuma dizer, “com um rolo de adesivo na mão são super-heróis”. Ser Enfermeiro é ser um profissional qualificado para usar competências práticas, relacionais, culturais, éticas e deontológicas para o bem-estar. É ser um Cidadão do Mundo e para o Mundo com um olhar diferente de todos os outros. Um cuidador nato que auxilia quer na doença quer na adaptação às condições de saúde. É ser vital nos sistemas de saúde e na prestação de cuidados. É ser fundamental para o normal funcionamento de toda e qualquer instituição de saúde. É pertencer a uma das classes mais altruístas da sociedade que dedica parte da sua vida a cuidar do outro. É deixar nas pessoas as mais ternas marcas. Só quem ama cuida, e Enfermagem é cuidar, é uma profissão de amor. Enfermagem é uma profissão sem filtros, onde se enfrenta a realidade tal como ela é. Ser Enfermeiro é ouvir o primeiro choro e dar a mão até ao último fechar de olhos. Ser Enfermeiro é estar do início ao fim!
E é isto que eu quero ser…. Quero saber controlar a Izzie Stevens que há em mim e harmonizá-la com uma Cristina Yang, saber ser emocional e racional nas dosagens certas. Quero que digam que fiz tudo o pude usando tudo o que sabia para ajudar. Quero que confiem em mim e me vejam como alguém que transmite bem-estar e segurança. E sendo filha de enfermeira, sei a pressão das expetativas dos outros, e por isso desejo com todas as minhas forças ser boa à minha maneira, do meu jeito. Não consigo de maneira nenhuma rotular-vos um tipo de enfermeira que anseio ser, mas garanto que vou dar o meu melhor todos os dias. Sei, no entanto, por alguém que afinal não andou a dormir, que posso ser uma excelente enfermeira adaptando a minha pessoa à profissão, sendo eu própria, e isso, por agora, basta-me. Como? Não sei ao certo, o CLE é como “tirar a carta de condução”, só o tempo e a experiência me vão ensinar a fazer os tais “drifts”.
- Beatriz Cordeiro
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