Lembro-me muito bem do meu primeiro ano. Lembro-me das aulas, do entusiasmo caraterístico de quem vem à descoberta, porque todos nós quando nos sentamos a primeira vez num auditório, não sabemos ao que vimos. Podemos ter uma ideia, por conhecer alguém que seja enfermeiro, mas no fundo, há coisas que só a vida nos ensina. Agora olho para trás e tenho saudades. Saudades de algo tão simples como sentar-me na esplanada da associação de estudantes a olhar para o prado e a beber o meu café, para ganhar energia para “enfrentar” as aulas da tarde.
Olho para os estudantes de primeiro ano e tenho pena. Tenho pena por estarem a ser privados de coisas que eu e muitos colegas vivemos e tomámos por garantidas. Creio que tem de existir um equilíbrio para tudo na vida. E se é verdade que o ensino superior é exigente, creio também que essa exigência vem com um aumento da nossa liberdade que permite a que o mundo nos veja como adultos e que nos trate como tal. É a liberdade de trocar umas horas de sono por uma noite de copos, ou uma noite de copos por uma maratona a estudar até de madrugada. No fundo tratam-se de escolhas. Escolhas essas que cada um de nós fez e que de um momento para o outro deixaram de ser feitas por nós, mas por outros. Temos de ficar em casa, para tentar travar esta pandemia que se apoderou da nossa liberdade, da nossa afetividade, das nossas escolhas.
E com todo este novo contexto, vem também uma adaptação inevitável. Em enfermagem, sempre que falamos da pessoa, falamos sempre da “perspetiva holística”, frisando sempre a importância da saúde mental e do bem-estar psicológico, que é tão importante como o bem-estar físico, e é muitas vezes desvalorizado.
No entanto, ao longo do meu percurso, constatei recorrentemente que a nossa saúde mental e o nosso bem-estar psicológico eram colocados em segundo plano.
A título de exemplo, todos os estudantes sentem uma enorme pressão nas épocas de avaliação, e nada tem a ver com preparação para os momentos, mas sim com a sobreposição destes (frequências, entregas de trabalhos, apresentações orais, avaliações práticas), o que causa, uma sobrecarga enorme nos estudantes, sufocando-nos. Nestas alturas, a maioria de nós, passa 3 a 4 semanas, com a cabeça enterrada nos livros para poder ter sucesso académico, e ao fim desse tempo, sentimo-nos exaustos, física e mentalmente, porque é de facto, drenante concentrar todos os momentos de avaliação num curto espaço de tempo.
Podemos ainda tocar no tema da sobrecarga horária, sendo que em Portugal estamos sujeitos a aproximadamente 23 a 24 horas semanais, rondando no nosso curso em específico 25 a 26 horas. Comparando com a media da União Europeia (16 a 18h), conseguimos facilmente constatar uma grande disparidade. Se somarmos a carga horária académica ao tempo reservado para a autoaprendizagem, totalizamos 40 a 44 horas semanais.
Isto reflete-se não só numa abrupta redução das atividades extracurriculares, como também num acentuar das desigualdades no acesso ao ensino superior, traduzindo ainda uma diminuição no sucesso académico com repercussões na saúde (física e mental) dos estudantes.
Contudo se esta situação já era preocupante, agravou-se com a situação pandémica, o que implicou uma adaptação por parte de todos.
Muitos de nós estão em ensino clínico, par a par com os enfermeiros, enfrentado inúmeras dificuldades diárias, enquanto outros estão em casa a ter aulas através das plataformas online, privados da proximidade e de todos os contextos associados aquando de um período letivo a decorrer na sua normalidade.
Estamos cansados, estamos desmotivados, numa sociedade que também está a lutar para se manter à tona. Tentamos remar para um futuro melhor, mas a verdade é que no contexto atual existe uma imprevisibilidade que nos deixa inseguros em relação ao dia de amanhã.
Este “novo normal” e tudo o que acarreta, faz com que tenhamos menos paciência, menos motivação e passemos a experienciar de um modo geral, emoções negativas. Tudo isto é normal. É normal não sermos produtivos todos os dias, é normal sentirmo-nos tristes. Faz parte deste ajustar a uma nova realidade. Porém também é necessário fazermos uma autoanálise e perceber se somos capazes de lidar com estas emoções sozinhos. Se precisares de ajuda, não exites em pedi-la. Não estás sozinho certamente, estamos juntos a lidar com um contexto nunca antes visto ou vivenciado e estamos cá para sermos o suporte uns dos outros.
Lembro-me de como era a nossa vida antes desta pandemia, das coisas simples que tomávamos por garantidas e que nos foram retiradas com um prazo de devolução desconhecido. Continuo a ter saudades, saudades dos momentos simples que não valorizei. Mas tenho esperança. Esperança de que as coisas vão melhorar, que todos os esforços feitos agora serão recompensados. Tenho esperança de me voltar a sentar na esplanada da associação, a beber o meu café, e à minha volta ver sorrisos em vez de máscaras.
Sara Rodrigues, estudante da ESEnfC
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